domingo, 2 de junho de 2019

Entre as duas Coréias.

Odeio sightseeing. Infelizmente é inevitável em algumas viagens. Tive que fazer um tour em Taipei, foi horrível. Fui ao maravilhoso vilarejo de Jiaofen, que inspirou o cenário do filme “Viagens de Chihiro”. Lindo até os três primeiros passos: um calor infernal, ¼ da população da China Continental ali presente no dia, muitas moscas e letreiros do 7/11 poluindo o visual. Se encontraria o No Face ali dentro comprando um café gelado? Acho que não.

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Não pude fugir da visita a fronteira entre as duas Coréias agora que estive em Seul. Era algo muito interessante que tínhamos que visitar. Tí-nha-mos-que-vi-si-tar. Então reservamos o passeio que nos custou 45.000 Won (cerca de 38 dólares), um preço razoável para vivenciar uma traumática parte da história desses dois países. 
(sou absolutamente aficcionada pela história da Coréia do Norte, sugiro que leia o livro daYeonmi Park se o assunto te interessa)
Estávamos pontualmente na recepção do hotel quando nosso guia, o Sr. Cha, nos recebeu. Seria uma viagem de uma hora e meia, saindo de Gangnam. Planejávamos dar um cochilinho até chegarmos ao ponto onde deveríamos estar despertas.
Infelizmente a vida não flui como planejamos. Nosso guia falou durante o trajeto inteiro, exigia participação e ainda nos tomava a lição. 
“Seul tem 31 pontes que ligam o norte e o sul da cidades, separadas pelo Rio Han. Quantas pontes tem Seul?”
Começamos a memorizar todas as informações com medo do Sr. Cha. Como ele exigia participação, imaginei que nos entregaria uma prova mimeografada ao final do passeio. Média 8, quem bombar teria que fazer o passeio de novo como punição. 
Ao chegarmos em Paju (de onde partem os ônibus), havia um festão animado. Era o Festival da Soja. E eu queria muito visitar. Mas não havia tempo, estava muy frio e a Jules não toparia trocar o passeio pelo bailão.

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Esse dia foi loko. Crédito: Seoul Selection Magazine
Tivemos 45 minutos para explorar Paju. Havia um pagode (templo ou monumento composto por uma torre com múltiplas beiradas, nada a ver com o SPC), uma ponte, um alto-falante que tocava uma ópera coreana em memória as vítimas da guerra. 
Legal. 
E o que fazer com os 40 minutos restantes? Decidimos tomar um chocolate quente para esquentar. Seria o café da manhã das campeãs. Pena que foi adoçado com 38 pás de açúcar, ou seja… Ou seja! Deu para esquentar um pouco enquanto travávamos nossa incessante luta contra o tabagismo.
Já quentinhas subimos no busão em direção a Estação de Trem que ligaria o sítio de Panmunjom a Pyongyang. Obviamente a estação não está funcionando, mas podemos visitar, tirar fotos, comprar souvenir e carimbar os cartões postais. 

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Esse dia foi loko. Crédito: meu Instagram.
De lá seguimos para o observatório Dora, onde colocamos moedinhas em binóculos para observar Kijong-Dong, um vilarejo de mentirinha do outro lado da fronteira. Ou seja, você paga 500 won para ver uma cidade falsa. Mas acha super legal, tira fotos e conta pra todo mundo que você VIU a Coréia do Norte. 
Consegui ver um mastro gigante com a bandeira norte-coreana - o terceiro maior mastro do mundo, depois dos concorrente em Dushanbe, no Tajiquistão; e Jidá, na Arábia Maldita (decorei esse dado porque poderia cair na prova do Sr. Cha). Também vi uns conjuntos habitacionais de mentirinha.
Lógico que há uma lojinha de souvenir. Lógico que eu fui a essa lojinha. Comprei chocolates de soja produzida na área desmilitarizada e achei muito maneiro. Eram horríveis. Como soja coberta por chocolate deve ser.
(para ler mais sobre Kijong-Dong, leia esse artigo do news.com.au)

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Tudo é de mentirinha. Não há vidros nas janelas, as luzes são acesas com timer e há alto-falantes com propaganda militar contra os Estados Unidos. Crédito: Wikipedia.
Ali pertinho está o terceiro túnel, outro ponto turístico. Foi descoberto em 1978, tem 1635 metros e o final está há 52km de Seul. Foi construído pela Coréia do Norte com as piores das intenções, já que até 30 mil soldados conseguem passar por esse buraco em uma hora.
Só que esse túnel é inclinado. Pra descer é uma beleza. A volta…
Pensei, então: é um túnel. Nada mais do que isso. É como uma longa caverna de pedra que desce em direção ao centro da terra - só que without all that Jules Verne shit. Não teria nenhum cosplay de Kim Jong-Il lá embaixo me esperando para tirar uma selfie. Nem um cospobre de Mickey Mouse pra me dar um picolé. Além de tudo sou sedentária e fumante. Não consegui achar nenhuma justificativa positiva para fazer isso. 
Mas a Jules, que é leonina, quis ir. Fiquei sentadinha tomando leite de soja adoçado e quentinho enquanto ela descia. E passei a fase 96 do Soda Crush. Realmente produtivo.
Então o Sr. Cha, que não é tonho (e não desceu), puxou papo comigo. Perguntou sobre minha vida de comissária de bordo, contou histórias e, lógico, perguntou se eu não gostaria de me casar com um coreano. Também fez perguntas sobre o Brasil e o Neymar. Ficou excitadíssimo quando disse que ele era de Santos, nossa Cancun Paulista, e que minha mãe, também.
Então a Jules voltou esbaforida. Mas orgulhosíssima em ter chegado antes de todos os outros membros do nosso passeio (ela é leonina, então nem tirei sarro do fato de 70% do nosso grupo ser composto de idosos filipinos).
E por serem idosos filipinos eles simplesmente não voltavam. O Sr. Cha, já preocupado com o atraso me perguntou se eu achava que eles iriam demorar. 
- Acho que só amanhã, Sr. Cha.
-Você é ruim, menina.
E riu. Um bocado.
Demoraram 40 minutos para voltar e nosso passeio atrasou MUITO. Hahaha!

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Aquilo tudo me deu uma vontade maluca de fumar. 
Terminamos assistindo um filminho sobre a Coréia do Norte recheado de propaganda bélica. E capotamos no ônibus de volta a Seul, exaustas.
Fomos acordadas por dois canadenses que estavam em nosso ônibus. Caminhei como um zumbi para dentro de uma casa de três andares revestida por granito.
Então realmente acordei em uma sala com várias raízes de ginseng dispostas em vitrines enquanto uma coreana barriguda fazia uma apresentação usando o microfone do Silvio Santos: O GINSENG COREANO É O MELHOR DO MUNDO, SUAS PROPRIEDADES MEDICINAIS SÃO RECONHECIDAS MUNDIALMENTE, UM BOM GINSENG DEVE TER 6 ANOS E…
Cutuquei a Jules e perguntei se aquilo era real ou uma abdução alien (tipo aqueles filmes com bebês híbridos numas compotas, igualzinho, só que ao invés de bebês eram raízes de ginseng).
Sim, estava acontecendo de fato e estávamos no Museu do Ginseng. Então duas coreanas nos deram uns bizu sobre como o ginseng faria milagres na nossa saúde, vida social, longevidade. 
Pensei “ok, vou comprar um bocadinho, quem sabe eu não fique mais espertinha, né?”. Um potinho de pó de ginseng custava apenas 380 dólares. 
TÁ ME TIRANDO, MINA? 380 dólares nem se Jesus descesse pessoalmente pra me fazer uma palestra sobre ginseng com Power Point e cosplay! 
O passeio terminou ali e não me lembro como chegamos ao nosso hotel em Gangnam, esteávamos exaustas. A sorte é que não precisamos responder as provas do Sr. Cha, já que dormimos durante todo o trajeto de retorno. Mas eu sabia tudo. Certeza que tiraria, ao menos, um belo 9 em conhecimentos gerais coreanos. E zero em comportamento.

Entre as duas Coréias.

Odeio sightseeing. Infelizmente é inevitável em algumas viagens. Tive que fazer um tour em Taipei, foi horrível. Fui ao maravilhoso vilare...